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Artigo
por Marcello Teixeira

O MÚSICO POPULAR BRASILEIRO, SUA REALIDADE E O ESTUDO FORMAL DE MÚSICA
O MÚSICO POPULAR BRASILEIRO, SUA REALIDADE E O ESTUDO FORMAL DE MÚSICA

Ainda é comum na sociedade brasileira o conceito de que o músico já nasce feito. Que não é possível a um indivíduo qualquer se dedicar ao aprendizado e prática de um instrumento – incluindo a voz como tal – com exercícios regulares que lhe permitam o domínio das técnicas, e aquisição de vocabulário e de diferentes “linguagens” do mesmo.

Esta dedicação é encarada com naturalidade pela sociedade em casos específicos: quando se trata do esforço cotidiano de superação dos músicos eruditos em estágios avançados de domínio de um instrumento, ou, no campo popular, nos casos de indivíduos que atuem junto a artistas com grande apelo na mídia, com vários trabalhos envolvidos em grandes eventos musicais da cena nacional. Com um alto nível de comprometimento com esses “grandes artistas”, e com a responsabilidade de exercer bem a profissão e honrar compromissos de tamanha importância comercial, é justo que as pessoas se dediquem a estudos mais profundos dos elementos da música – pensa o brasileiro de uma forma geral.

Realmente o povo brasileiro é muito musical, e isso acaba involuntariamente corroborando aquele pensamento.

Embora o Estado brasileiro seja omisso e não apresente uma política séria no que diz respeito à educação musical do nosso povo – onde os fundamentos do ensino de música e o próprio processo de musicalização ajudariam significativamente na formação de uma identidade cultural mais forte e consciente – é comum e natural que surjam, em todas as partes do Brasil, e a todo momento, pessoas com um talento musical incrível e uma capacidade singular de interpretação.

Todos conhecemos exemplos de excelentes artistas autodidatas, com um jeito único de expressar a sua musicalidade dentro dos mais variados gêneros, do Bolero ao Rock. Muitos têm origem humilde e, através de trabalhos com a música, consolidam seus nomes no competitivo mercado da área; alcançam sucesso profissional e financeiro desenvolvendo, na prática, um cabedal de conhecimentos intuitivos que abrangem os elementos musicais utilizados dentro da(s) “linguagem(ns)” às quais se dedicam.

Como esses artistas ensaiam muito o repertório com o qual trabalham, alcançam resultados práticos expressivos, principalmente no que tange ao domínio do vocabulário musical do gênero em que atuam, e às diferentes formas que constituem o mesmo, tornando-se legítimos representantes da arte que levam a público, pois passam a sua mensagem “com verdade”!

Quando tratamos então de autodidatas que tocam a chamada música popular “de raiz”, como o Samba e o Baião, é legítimo que considerem suficiente aquele conjunto de conhecimentos técnicos adquiridos empiricamente, praticando em grupo, ou mesmo sozinhos (acompanhando-se com um instrumento harmônico), para realizar aquela “linguagem” responsável pela integração deles com a música e com o mundo do trabalho, que configura a sua realidade musical ou a do meio em que vive.

Mas e se, por hipótese, fosse dada a estes talentosos músicos a oportunidade de estudar música em seus fundamentos teóricos: harmonia, subdivisões rítmicas; de terem acesso a um ensino sistematizado que oferecesse uma oportunidade formal de aprimorarem-se tecnicamente nos seus instrumentos, a ponto de explorar melhor suas possibilidades e tornarem-se mais expressivos naquela(s) “linguagem(ns)” que já dominam, abrindo suas mentes para outras possibilidades artísticas que vêm com o caminhar do aprendizado?

Há entre nós o mito de que música não se estuda, e de que, nos casos de músicos com formação autodidata, isto levaria ao embotamento da expressividade espontânea e criativa destes. É uma avaliação que ouvimos não só de leigos no assunto, mas também de grande parte dos músicos em questão.

Sinceramente, nunca vi ou ouvi falar de alguém que, por ter passado a estudar técnica de algum instrumento, tenha “travado” seu modo de tocar ou se transformado num músico “duro”, sem suingue, frio e calculista em relação ao talento natural de outrora.

Há casos em que excelentes instrumentistas eruditos mostram-se pouco à vontade interpretando peças populares, apresentando uma condução “dura” do tema, comprometendo a fluência e o suingue da “linguagem popular”.

Músicos populares também enfrentam dificuldades com eventuais despreparos técnicos em relação à linguagem erudita, que requer significativa destreza em passagens cujas articulações/ digitações são realizadas em frações exíguas de tempo, com precisão de metrônomo, além de outras particularidades que dificultam as adaptações de músicos de parte a parte.

Contudo, quando o indivíduo gosta de fazer música, e chega a conclusão de que não existe gênero musical bom ou ruim, e sim músicas boas ou ruins nos diversos gêneros musicais que se tem acesso e com os quais se trabalha, fica difícil não se interessar por um estudo mais aprofundado dos seus elementos estruturais e das suas diversas possibilidades de expressão.

Acredito que o modo autodidata é o meio mais interessante de se começar a tocar um instrumento ou cantar. Foi primordial, no meu caso, acumular algumas experiências que tive ao me trancar no quarto para tocar junto com os discos que gostava de ouvir e que avaliava ser possível acompanhar tecnicamente na ocasião. Desenvolver as levadas , tocar junto com outros instrumentos gravados, sobretudo tocar ouvindo as nuances e dinâmicas dos instrumentos e vozes dos discos era, e ainda é, uma experiência maravilhosa e enriquecedora para os músicos, principalmente iniciantes.

Porém, após um certo tempo, que obviamente varia de pessoa pra pessoa, o músico que se interessa pela qualidade da música que faz fica aborrecido e angustiado com as suas limitações. Não se conforma com as poucas variantes que dispõe para utilizar nas mesmas situações que ocorrem na sua música, o que pode torná-lo previsível em determinadas ocasiões. Parece-me desnecessário afirmar o quanto isto é desestimulante para o músico e o artista de uma forma geral.

Só que a vida atribulada e desgastante do músico no Brasil, ou mesmo o fato de sua agenda estar lotada com eventos que denotam outras prioridades na condução de sua carreira, quando atingem um certo nível de reconhecimento e sucesso profissional, leva o sujeito a pensar que estudar música e aprender a ter consciência daquilo que faz, e do que pode fazer no palco, é perda de tempo nesta altura do campeonato.

Acontece que alguns fatos são inexoráveis para os músicos, e dentre eles há o seguinte: a partir de um certo nível técnico alcançado com um tempo considerável de “malhação” no instrumento e de experiências acumuladas “na estrada”, você consegue galgar outros patamares, se estuda com regularidade e progressão. Para manter-se no mesmo nível alcançado, é preciso estudar praticando exercícios de rotina que o levaram até aí. Se o músico simplesmente pára de estudar e não pratica nada fora de sua rotina de trabalho, “é ruim” de não descer ladeira abaixo!

Portanto, acho um desperdício quando músicos, principalmente músicos populares, não enxergam a importância de reservar um tempo, dentro da sua rotina, para o estudo teórico e prático dos fundamentos da música, assim como o aprimoramento técnico de sua performance no instrumento, qualquer que seja ele: violão, percussão, voz, etc.

Com o ser humano, isso se verifica comumente: quando gostamos mesmo de fazer uma coisa, e o fazemos com “alma”, nunca ficamos plenamente satisfeitos com as nossas possibilidades por um tempo muito longo. Quando atingimos determinada etapa e ouvimos coisas novas e instigantes acontecendo em outros lugares do Brasil e do mundo, outros trabalhos bem feitos, nos sentimos impulsionados a tentar novas fórmulas, caminhos e maneiras de se expressar sem descaracterizar a linguagem dos trabalhos em que estamos inseridos.

Não se trata de importar novos conceitos estragando o que já é bem realizado. Trata-se de dar vazão à grandeza da alma, deixando a preguiça de lado, e internalizando cada vez mais elementos que nos permitam, de maneira relaxada (sem “forçar a barra”), realizar a nossa música com várias “cartas na manga”, com um leque de opções que nos permita desafiar a mesmice e a mediocridade.

 

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