Com um trabalho contínuo de fraseado, expressão rítmica, sonoridade e de outros elementos referentes ao aprimoramento de sua performance nos vários instrumentos que já tocava, Bolão pôde desenvolver sua performance e linguagem em vários gêneros de seu interesse, especialmente os da música brasileira. A trajetória de Oscar Bolão no seu processo de formação como instrumentista, hoje um dos mais reverenciados e requisitados para trabalhos em gravações ou performances ao vivo quando o assunto é percussão brasileira, denota muito da omissão, negligência, além da falta de sensibilidade cultural e histórica do Estado brasileiro e das instituições oficiais que cuidam da elaboração e consecução do ensino de música no Brasil em seus diversos níveis. Bolão, ao longo de sua história, não encontrou uma instituição oficial que oferecesse em sua grade curricular um ensino sistematizado de percussão que atendesse às demandas de sua formação básica como músico, já que as poucas instituições oficiais responsáveis pelo ensino de música na época (anos de 1970 e 80) só abordavam o estudo da música de concerto (erudita). Hoje, instrumentista de renome nacional, cuja expressividade comporta um universo amplo e único de linguagens no âmbito da percussão de gêneros brasileiros, quase não encontra espaço institucional, assim como outros artistas de inestimável valor no meio musical, em que possa transmitir os seus conhecimentos, experiências e prática que desenvolve nas mais variadas formas e circunstâncias de atuação profissional do percussionista popular no mercado de trabalho atual. Isso para atender às demandas de um número cada vez maior de músicos nos mais diversos estágios de formação, inclusive profissionais, interessados em se aperfeiçoarem no domínio das técnicas e linguagens próprias à percussão nos gêneros da música brasileira. |
Artigo
OSCAR BOLÃO E A FORMAÇÃO DO PERCUSSIONISTA NO ÂMBITO DA MÚSICA POPULARUNIRIO – PPGM (Programa de Pós-Graduação em Música) – Mestrado em Música e Educação. Oscar Luiz Werneck Pellon, nascido em 06 de fevereiro de 1954, foi criado no Leblon, bairro de classe média da zona Sul do Rio de Janeiro, com a sua família: seus três irmãos (dois homens e uma mulher) e seus pais – Dr. Annibal, advogado, e Dona Maria Luiza. Músico de estilo e concepções singulares, Oscar Bolão empreendeu sua formação musical entre o autodidatismo, aulas particulares e cursos Tutoriais. Sua carreira de instrumentista foi construída entre algumas experiências com a música de concerto e, notadamente, o desenvolvimento de práticas e linguagens pertinentes ao universo popular brasileiro. Apresentou-se em shows e participou de gravações que marcaram a trajetória de vários artistas de relevância, como Ney Matogrosso, Elizeth Cardoso, Marlene, Carlos Malta, Tim Rescala, Maurício Carrilho, Léo Gandelman, entre outros. Percussionista e baterista de projeção nacional e internacional, sua performance em diversos ritmos brasileiros – notadamente aqueles que pertencem ao universo do samba e do choro –, é apreciada por sua destreza técnica, dinâmica, capacidade de expressão, riqueza de vocabulário musical, criatividade e fidelidade às linguagens originais dos referidos gêneros. Esses poucos dados biográficos servem para apresentar e justificar minimamente a importância da escolha de Oscar Bolão como objeto de estudo e análise no presente artigo. Ainda sobre os relatos do artigo citado: “Nketia (1974) diz que a aquisição de competência musical na África depende da habilidade de imitar” (idem, 1994) numa clara alusão à ênfase das comunidades observadas em propiciar a imersão na prática musical por parte das crianças, tão logo apresentem o desenvolvimento corporal e mental mínimo para participarem de determinadas atividades sociais relevantes, promovidas pelos adultos, e também à capacidade de apreender o fenômeno musical por meio dos diversos níveis de percepção (auditiva, visual, corporal). Quando, numa noite, batucava com o instrumento num botequim, um cidadão aproximou-se e, pedindo o seu pandeiro emprestado, demonstrou para Oscar, ali mesmo, os toques “preso” e “solto”, referentes ao primeiro e ao segundo tempos do compasso do samba, articulados com o uso do dedo – médio ou indicador – da mão que segura o Pandeiro, prendendo ou soltando a membrana, respectivamente. Mais do que uma “dica fundamental” (BOLÃO, 2003, p.147), significou o aprendizado de um princípio básico da articulação e da expressão adequadas de um instrumento importantíssimo para o samba e para a cultura musical brasileira. A grande maioria de músicos brasileiros que não têm acesso a instituições oficiais de ensino, nem têm como pagar pelos serviços de professores particulares. Aprende a tocar e/ou cantar não só por meio de freqüentes observações, mas através de revistas e métodos de bancas de jornal, além de conversas e verdadeiras aulas com os músicos e professores da noite que, por vezes de forma altruística, transmitem parte dos seus conhecimentos para os muitos órfãos de um ensino formal de música no Brasil, por incrível que isso possa parecer aos olhos, tanto de brasileiros como de estrangeiros, profunda e eternamente extasiados com a qualidade de nossa música popular. Em meados do século passado, assim como hoje, não havia uma instituição pública de ensino que priorizasse o ensino da música popular brasileira no Rio de Janeiro. “Nas escolas oficiais, o ensino da percussão era dirigido quase que exclusivamente para a música sinfônica”, e o material didático disponível para o aprimoramento técnico dos músicos interessados em percussão popular consistia em vários métodos vindos do estrangeiro, “(...) voltados para o Rock ou para o Jazz e que davam ênfase à aplicação dos rudimentos de caixa da escola americana” (Bolão, apresentação, 2003). É importante destacar que, no período acima citado, até mesmo o ensino de percussão sinfônica carecia de centros formais bem estruturados e de qualidade para o aprimoramento dos músicos interessados, salvo uma ou outra instituição em todo o país. Apesar de não estar ligado oficialmente a uma instituição, Luiz D’Anunciação, um dos mais importantes mestres de Oscar Bolão quanto ao aperfeiçoamento de sua capacidade técnica e de leitura, foi um dos pioneiros no ensino formal de percussão no Brasil. Aos dezoito anos, com a chegada do período em que se cobram dos indivíduos vindos da classe média as definições profissionais e pessoais que supostamente nortearão os rumos de suas vidas, Oscar Bolão, no ano de 1972, cedeu às pressões sociais mais do que esperadas nessa fase. As expectativas geradas em torno do seu futuro fizeram-no desistir da trajetória heróica e romântica do agora ex-futuro percussionista, transformando-o num bancário do Bradesco na agência da Rua Primeiro de Março (Centro do Rio). Mas, felizmente, por pouco tempo! (BOLÃO, 2003, p.148). Depois de desistir do emprego no sistema financeiro, da faculdade de Comunicação e de Direito, ao mesmo tempo em que trilhava seus caminhos musicais, tocando em diversos grupos, com diversas formações, tornava-se crescente a necessidade de estudar formalmente percussão, devido às demandas técnicas, de vocabulário e de leitura musical requeridas pelas diversas circunstâncias que envolvem a atuação do músico em processo de profissionalização. Essa necessidade foi alimentada pela convivência com vários colegas, músicos com quem tocava, que estudavam formalmente seus instrumentos, alguns até se encaminhando para a vida acadêmica. A curiosidade e o interesse crescentes por um estudo que o aprimorasse musicalmente, e que o capacitasse a galgar outras possibilidades de atuação profissional, aliados à interpelação de seu pai, no sentido de que fizesse direito [grifos nossos] aquilo que escolhesse pra fazer profissionalmente (BOLÃO, 2003, p.150), fizeram com que Bolão decidisse estudar técnica com um colega e aluno do professor Luiz D’Anunciação – Rodolfo Cardoso. Com Rodolfo, Bolão estudou, por volta de seis a oito meses, questões técnicas pertinentes ao adequado uso das baquetas, de maneira a dominar os principais rudimentos, ou tipos de toques, utilizados pelo percussionista na Caixa-clara, a saber: toque Simples, toque Duplo e toque Múltiplo. Após esse período, Rodolfo avaliou que seria uma excelente oportunidade para o aprimoramento técnico e musical de Bolão que ele participasse dos cursos intensivos oferecidos pelo seu próprio professor, Luiz D’Anunciação, conhecido como Pinduca, que por aquela época estaria indo para Londrina, onde ministraria um breve curso de percussão (OLIVEIRA, 2006). Por meio dos ensinamentos do mestre Luiz – que leciona até hoje com uma perspectiva de “percussão sem fronteiras entre o popular e o erudito”, como diz o subtítulo de sua série de manuais: Melódica Percussiva – Oscar Bolão passou a atuar profissionalmente com uma consciência profissional do papel e do respeito que o percussionista deve ter e assumir diante de seus pares nas diversas áreas de trabalho do meio musical, independente do fato de exercer ou não a função de professor. Sem desprezar o valor artístico de lendários bateristas de Jazz, como Buddy Rich e Gene Krupa, por exemplo, que protagonizaram solos memoráveis, nos quais o virtuosismo de milhares de notas em curtos espaços de tempo fez platéias do mundo inteiro delirarem, essa concepção desenvolvida por Bolão no contato com seus principais professores – Rodolfo Cardoso, Luiz D’Anunciação e Luciano Perrone – caminha em outra direção, sem abdicar dos benefícios técnicos e expressivos daquela. Partimos da seguinte premissa: a criação de um bacharelado em percussão que em sua grade curricular contemple uma formação integral ao percussionista no Brasil, que ofereça vias de especialização tanto a instrumentistas que atuem na música erudita quanto na popular, democratizaria sensivelmente o acesso dos mesmos às variadas formas de inserção no mercado de trabalho. Conforme afirmamos em monografia de conclusão de curso de Licenciatura em Música, sobre a implantação de um bacharelado com as características anteriormente citadas: Por meio das considerações anteriores, procuramos apontar que as possibilidades de formação e profissionalização dos percussionistas permanecem relativamente engessadas pelas vias elitistas em que esses processos se dão ainda hoje. Quais são as chances de um percussionista oriundo da periferia das grandes cidades, ou mesmo de comunidades carentes dos grandes centros de competir por vagas como profissionais em orquestras com apoio ou subvenção estatal, por exemplo, com os filhos das classes mais favorecidas economicamente, cujos processos de formação constroem-se em bases sólidas de um ensino gradual e sistematizado através de cursos Tutoriais bem pagos? Por fim, consideramos que a participação de músicos como Oscar Bolão em instituições de ensino, inclusive de nível superior, a despeito de seus processos de formação não apresentarem uma graduação em música, seria fundamental para a formação dos alunos nas diversas disciplinas e atividades acadêmicas que apresentam interfaces com as do mundo profissional dos percussionistas. Afinal, num curso superior de música, onde ocorre a formação de profissionais que trabalham, independentemente das diferentes habilitações e perfis de atuação, com o fazer musical forjado na interação de pessoas que vivem em realidades socioculturais diversas, seria interessante implementar, na prática, currículos cujos conhecimentos contemplados fossem além do recorte das disciplinas, transbordassem as terminalidades dos cursos, borrassem as fronteiras instituídas na cultura organizacional. Que esse conjunto de saberes seja, enfim, “tecido transversalmente, no cotidiano das práticas sociais.” (SANTOS, 2005, p. 50) Referências Bibliográficas BOLÃO, Oscar. Batuque é um privilégio. Rio de Janeiro : Ed. Lumiar, 2003. D’ANUNCIAÇÃO, Luiz. Manual de Percussão – Estudo de técnicas para a Caixa-clara, cadernos 1,2,3 e 4. Rio de Janeiro: 2ª ed., 2003. TRAVASSOS, Elizabeth. Apontamentos sobre estudantes de música e suas experiências formadoras. Revista da ABEM, número 12, pp.11-19, março, 2005. SANTOS, Regina Márcia S. A natureza da aprendizagem musical e suas implicações curriculares – análise comparativa de quatro métodos. Fundamentos da Educação Musical 2. Associação Brasileira de Educação Musical, Porto Alegre, pp. 7-112., junho, 1994. TEIXEIRA, Marcello. Oscar Bolão – Ensino de percussão e bateria brasileira e seus pontos de contato com a vida acadêmica. Monografia de conclusão de curso de Licenciatura plena em Educação Artística com Habilitação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, Rio de Janeiro, 2006. WAGNER, Wolfgang. Sócio-Gênese e características das Representações Sociais. In: Social Science Information, 33, 1994. Mestrando em Música e Educação na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Publicação semestral da Associação Brasileira de Ensino Musical. O conceito de grupo social, ou Reflexivo, como apresentado por Wagner (1994) perpassa as discussões e trabalhos científicos que se utilizam da teoria das Representações Sociais como referencial teórico na abordagem dos seus objetos de estudo. Consiste na identificação e delimitação de um determinado grupo de pessoas, ou comunidade, que compartilhe de um conjunto de conhecimentos, crenças, imagens, metáforas e símbolos, através dos quais seus membros se reconheçam mutuamente. A representação social como processo só ocorreria em grupos e sociedades por meio de discursos públicos, que incluiria a comunicação tanto de pontos de vista compartilhados quanto divergentes sobre muitos assuntos. (v. Wagner, Wolfang. Sócio-gênese e características das Representações Sociais) O toque “solto” nos tambores corresponde, na verdade, à forma padrão de se percutir o instrumento. Trata-se, a rigor, da produção da nota fundamental do tambor, de modo que a sua membrana soe livremente, sem qualquer interferência em seu processo natural de vibração. Dessa forma, obtém-se um som cheio, encorpado. Em oposição a essa idéia, temos o toque “preso”, cujo som é obtido por uma pressão da baqueta na membrana, de maneira a colar-se em sua superfície, reduzindo ao máximo a sua vibração e a ocorrência de rebote e toques adicionais indesejáveis. Como resultado, obtém-se um som de curta duração, mais opaco, com uma ressonância bem menor do que a alternativa anterior. Observação do professor de percussão do Instituto Villa-Lobos da UNIRIO, Rodolfo Cardoso de Oliveira, em comentário à monografia realizada pelo autor, quando da conclusão de seu curso de Licenciatura em Música, em Junho de 2006. O toque Simples consiste na produção de um som para cada movimento completo do pulso, de modo que a baqueta retorna à sua posição original (“posição de toque”) imediatamente após percutir a membrana (“ponto de toque”). Dentro da categorização anterior, temos ainda o toque de Dedos, realizado não pela movimentação do pulso, mas sim do bloco de dedos que envolvem as baquetas, enquanto essas mantêm um ponto de apoio fixo nas mãos do executante. O toque Duplo corresponde à produção de dois sons, de mesma intensidade, para cada movimento completo do pulso, de modo a aproveitar o quique, ou rebote natural da baqueta na membrana. Já o toque Múltiplo consiste na produção de três ou mais sons para cada movimento completo de pulso (OLIVEIRA, em comentário à referida monografia, 2006). Em entrevista concedida ao autor em 2006. Ver Oscar Bolão – Ensino de percussão e bateria brasileira e seus pontos de contato com a vida acadêmica. Monografia de conclusão de curso de Licenciatura plena em Educação Artística com Habilitação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO. “Na terminologia dos músicos populares, a levada é uma célula rítmica, ou rítmico-harmônica, que caracteriza determinados acompanhamentos da melodia principal, constituindo fator básico de identificação dos gêneros musicais” (TRAVASSOS, 2005, p. 18). Exceção feita ao curso de Percussão e Bateria brasileira, ministrado por Oscar Bolão na Escola Portátil de Música, projeto que consiste atualmente em curso de extensão da UNIRIO, aos sábados, cujas atividades pedagógicas compreendem o estudo, a prática e divulgação da linguagem do choro. Para esclarecimentos quanto ao referido sistema de escrita para percussão desenvolvido pelo Prof. Luiz D’Anunciação, ver Teixeira, 2006. |