Percussão

percussão I instrumentos I eventos I vídeos I fotos I links I contato I english .

.

 

 

 

Empregos?
Vinhos

 

 

cães

Bonsai
Empreendedorismo

 

 

Com um trabalho contínuo de fraseado, expressão rítmica, sonoridade e de outros elementos referentes ao aprimoramento de sua performance nos vários instrumentos que já tocava, Bolão pôde desenvolver sua performance e linguagem em vários gêneros de seu interesse, especialmente os da música brasileira.
Trabalhar a musicalidade, o fraseado, a sutileza, as diferentes dinâmicas de peças inteiras ou mesmo em determinados trechos ou exercícios rítmicos constituiu-se prática comum e rotineira nas aulas com Luiz D’Anunciação. Esses exercícios, aliados à prática de instrumentos de percussão melódica, como o Xilofone e os Tímpanos, levaram Oscar Bolão a adquirir uma concepção mais melódica da bateria, a conceber fraseados pensando no aspecto melódico de suas construções.

A trajetória de Oscar Bolão no seu processo de formação como instrumentista, hoje um dos mais reverenciados e requisitados para trabalhos em gravações ou performances ao vivo quando o assunto é percussão brasileira, denota muito da omissão, negligência, além da falta de sensibilidade cultural e histórica do Estado brasileiro e das instituições oficiais que cuidam da elaboração e consecução do ensino de música no Brasil em seus diversos níveis. Bolão, ao longo de sua história, não encontrou uma instituição oficial que oferecesse em sua grade curricular um ensino sistematizado de percussão que atendesse às demandas de sua formação básica como músico, já que as poucas instituições oficiais responsáveis pelo ensino de música na época (anos de 1970 e 80) só abordavam o estudo da música de concerto (erudita).

Hoje, instrumentista de renome nacional, cuja expressividade comporta um universo amplo e único de linguagens no âmbito da percussão de gêneros brasileiros, quase não encontra espaço institucional, assim como outros artistas de inestimável valor no meio musical, em que possa transmitir os seus conhecimentos, experiências e prática que desenvolve nas mais variadas formas e circunstâncias de atuação profissional do percussionista popular no mercado de trabalho atual. Isso para atender às demandas de um número cada vez maior de músicos nos mais diversos estágios de formação, inclusive profissionais, interessados em se aperfeiçoarem no domínio das técnicas e linguagens próprias à percussão nos gêneros da música brasileira.
Defensor e usuário do sistema pioneiro de escrita para percussão desenvolvido por Luiz D’Anunciação, Oscar Bolão também não encontrou no país um bacharelado em percussão que atendesse aos interesses de aperfeiçoamento e especialização dos músicos que atuam na música popular, assim como seus contemporâneos e atuais colegas de profissão.

Artigo
por Marcello da Silva Teixeira

 

OSCAR BOLÃO E A FORMAÇÃO DO PERCUSSIONISTA NO ÂMBITO DA MÚSICA POPULAR

UNIRIO – PPGM (Programa de Pós-Graduação em Música) – Mestrado em Música e Educação.
E-mails: cebolapai@hotmail.com, marcello.cebolapai@gmail.com

Oscar Luiz Werneck Pellon, nascido em 06 de fevereiro de 1954, foi criado no Leblon, bairro de classe média da zona Sul do Rio de Janeiro, com a sua família: seus três irmãos (dois homens e uma mulher) e seus pais – Dr. Annibal, advogado, e Dona Maria Luiza. Músico de estilo e concepções singulares, Oscar Bolão empreendeu sua formação musical entre o autodidatismo, aulas particulares e cursos Tutoriais. Sua carreira de instrumentista foi construída entre algumas experiências com a música de concerto e, notadamente, o desenvolvimento de práticas e linguagens pertinentes ao universo popular brasileiro.

Apresentou-se em shows e participou de gravações que marcaram a trajetória de vários artistas de relevância, como Ney Matogrosso, Elizeth Cardoso, Marlene, Carlos Malta, Tim Rescala, Maurício Carrilho, Léo Gandelman, entre outros. Percussionista e baterista de projeção nacional e internacional, sua performance em diversos ritmos brasileiros – notadamente aqueles que pertencem ao universo do samba e do choro –, é apreciada por sua destreza técnica, dinâmica, capacidade de expressão, riqueza de vocabulário musical, criatividade e fidelidade às linguagens originais dos referidos gêneros. Esses poucos dados biográficos servem para apresentar e justificar minimamente a importância da escolha de Oscar Bolão como objeto de estudo e análise no presente artigo.
A proximidade da casa onde passou sua infância e juventude com a então favela da praia do Pinto, que ficava a um quarteirão de distância – e onde hoje, não por acaso, encontra-se um grande complexo de prédios residenciais de classe média alta –, trouxe o som envolvente do samba e sua batucada, através da janela, atingindo em cheio o jovem Oscar, segundo filho do casal.
De maneira a comprovar a riqueza cultural que se originou, e renova-se a todo instante através da formação inter-racial do povo brasileiro, permeada pelo sincretismo – a despeito de todos os antigos e modernos processos de exclusão social implementados por todos os governos e pelas classes dominante e média brasileira –, a convivência de Oscar e sua família com a comunidade em questão mostrava-se significativa. Desde criança, acompanhava com os irmãos os blocos de sujo organizados por moradores, foliões e ritmistas daquela comunidade que, no carnaval, passavam com seus instrumentos de lata pela porta da família Pellon.
Quando adolescente, acompanhou, na Avenida Presidente Vargas – Centro do Rio – um desfile da agremiação representativa da favela, a Grêmio Recreativo Escola de Samba Independentes do Leblon, levado pelo seu pai. Esse evento despertou decisivamente o interesse de Oscar pelo Samba e seus instrumentos de percussão (BOLÃO, 2003, p.146).
Desde então, passou a freqüentar assiduamente ensaios da Portela, do Salgueiro e da Mangueira, além de outras agremiações de samba que ficavam mais perto de sua casa, como os Acadêmicos do Vidigal e o bloco Baba de Quiabo, da Cruzada São Sebastião (favela também situada no Leblon).
“De tanto ver e ouvir, surgiu o desejo de tocar” (idem, 2003). Ao observarmos alguns fatos e circunstâncias que fizeram parte do processo de iniciação musical de Bolão, remetemo-nos de pronto a alguns relatos sobre experiências de aprendizagem musical informal e não-formal, como os descritos nas observações de Kwabena Nketia em sociedades tribais da África. Trechos dos referidos relatos constam de artigo publicado na revista da ABEM (1994): A natureza da aprendizagem musical e suas implicações curriculares – análise comparativa de quatro métodos (Santos, 1994). Segundo a autora do artigo citado,
Nketia (1974) distingue, na aprendizagem musical, dois períodos distintos: o primeiro, de “exposição e treino” (p.62), onde o contato com a prática musical é fundamental e o treinamento, a partir do ver fazer, uma constante; o segundo de “afiliação temporária” (p.63), onde o treinamento é dado por um especialista, músico mais experiente, para ampliação do repertório ou aquisição de técnica mais apurada (pp. 15 e 18).

Ainda sobre os relatos do artigo citado: “Nketia (1974) diz que a aquisição de competência musical na África depende da habilidade de imitar” (idem, 1994) numa clara alusão à ênfase das comunidades observadas em propiciar a imersão na prática musical por parte das crianças, tão logo apresentem o desenvolvimento corporal e mental mínimo para participarem de determinadas atividades sociais relevantes, promovidas pelos adultos, e também à capacidade de apreender o fenômeno musical por meio dos diversos níveis de percepção (auditiva, visual, corporal).
Ao nos apropriarmos das práticas abordadas no artigo citado e dos conceitos inerentes às mesmas, reiteramos a analogia entre os processos de aprendizagem de determinadas tribos africanas e de grande parte dos músicos populares no Brasil, como o dos ritmistas de escolas de samba, por exemplo. “A criança africana desde cedo é preparada para compreender e apreciar a música através do movimento e responder fisicamente ao ritmo da música, assim como aos seus modos de significação” (NKETIA, 1976 apud Santos, 1994).
Embora seja relativamente fácil observar, ainda hoje, as semelhanças entre os processos de ensino/aprendizagem em música anteriormente citados, não desconsideramos o resultado prático de algumas mudanças surgidas mais recentemente no quadro de formação do grupo social dos percussionistas, especialmente em cidades brasileiras mais desenvolvidas economicamente. Essas transformações no campo do ensino de instrumentos, decorrentes dos avanços tecnológicos e da diversidade de atividades comerciais e da oferta de serviços característicos da modernidade na sociedade brasileira a partir da segunda metade do século XX, são representadas atualmente, por exemplo, pela grande quantidade de informação áudio-visual disponível no mercado, além do estabelecimento de várias escolas particulares de música e de cursos Tutoriais que oferecem um ensino de percussão popular não-formal, na maioria dos casos. Essas alternativas configuram, em grande parte, as atuais opções de ensino de percussão que se apresentam no sentido de atender às demandas daqueles que se interessam pela música popular no Rio de Janeiro.
No entanto, ao levar em conta as desigualdades sócio-econômicas locais e regionais presentes num país de dimensões continentais como o nosso, além do deficit educacional a que o povo brasileiro continua submetido – sobretudo quando o assunto é implementar políticas sérias de ensino das artes nas escolas regulares e universidades com um mínimo de qualidade e eficiência –, verificamos que as possibilidades de acesso ao ensino de música, e conseqüentemente ao ensino da percussão, são oferecidas, prioritariamente, a uma minoria de privilegiados que apresentam condições financeiras para arcar com as mensalidades das instituições particulares que representam as alternativas quase que exclusivas no quadro do ensino de artes no país. Essa conjuntura suscita o aprofundamento das discussões sobre currículos no Brasil, inclusive nas instituições de ensino superior, quanto às seleções dos conteúdos e repertórios privilegiados nos diversos cursos e ementas disciplinares, e à hierarquização entre os conhecimentos.   
Ao retomarmos as experiências que caracterizaram o início de sua formação musical, observamos que Oscar Bolão experimentou, desde que passou a freqüentar os ensaios de escolas de samba, todos os instrumentos de percussão típicos do gênero, do Surdo ao Tamborim, sendo o Pandeiro o primeiro instrumento cuja técnica e linguagem dominou (ver BOLÃO, 2003, pp. 146, 147).
O seu aprendizado no Pandeiro denota muito da sua formação musical, na “academia do asfalto”, de acordo com suas próprias palavras (BOLÃO, 2006).

Quando, numa noite, batucava com o instrumento num botequim, um cidadão aproximou-se e, pedindo o seu pandeiro emprestado, demonstrou para Oscar, ali mesmo, os toques “preso” e “solto”, referentes ao primeiro e ao segundo tempos do compasso do samba, articulados com o uso do dedo – médio ou indicador – da mão que segura o Pandeiro, prendendo ou soltando a membrana, respectivamente. Mais do que uma “dica fundamental” (BOLÃO, 2003, p.147), significou o aprendizado de um princípio básico da articulação e da expressão adequadas de um instrumento importantíssimo para o samba e para a cultura musical brasileira.
Ressalte-se aqui a existência de um processo empírico, essencialmente informal, de ensino/aprendizagem que se impõe à realidade do músico popular, que observa atentamente a realização do fenômeno musical in loco, nos bares, praças, casas de espetáculo, etc.

A grande maioria de músicos brasileiros que não têm acesso a instituições oficiais de ensino, nem têm como pagar pelos serviços de professores particulares. Aprende a tocar e/ou cantar não só por meio de freqüentes observações, mas através de revistas e métodos de bancas de jornal, além de conversas e verdadeiras aulas com os músicos e professores da noite que, por vezes de forma altruística, transmitem parte dos seus conhecimentos para os muitos órfãos de um ensino formal de música no Brasil, por incrível que isso possa parecer aos olhos, tanto de brasileiros como de estrangeiros, profunda e eternamente extasiados com a qualidade de nossa música popular.
Esse foi, sem dúvida, o tipo de formação musical básica de Oscar Bolão. Suas salas de aula foram as “gafieiras, biroscas, bares e quadras de ensaio” e as melhores fontes de aprendizado, afora este contato direto “com os músicos e com a forma mais autêntica de se tocar a música do Rio de Janeiro”, eram os discos, os espetáculos e os redutos de samba e choro (BOLÃO, 2003, prefácio).

Em meados do século passado, assim como hoje, não havia uma instituição pública de ensino que priorizasse o ensino da música popular brasileira no Rio de Janeiro. “Nas escolas oficiais, o ensino da percussão era dirigido quase que exclusivamente para a música sinfônica”, e o material didático disponível para o aprimoramento técnico dos músicos interessados em percussão popular consistia em vários métodos vindos do estrangeiro, “(...) voltados para o Rock ou para o Jazz e que davam ênfase à aplicação dos rudimentos de caixa da escola americana” (Bolão, apresentação, 2003).

É importante destacar que, no período acima citado, até mesmo o ensino de percussão sinfônica carecia de centros formais bem estruturados e de qualidade para o aprimoramento dos músicos interessados, salvo uma ou outra instituição em todo o país. Apesar de não estar ligado oficialmente a uma instituição, Luiz D’Anunciação, um dos mais importantes mestres de Oscar Bolão quanto ao aperfeiçoamento de sua capacidade técnica e de leitura, foi um dos pioneiros no ensino formal de percussão no Brasil.
Com um quadro de ensino musical como o descrito anteriormente, pouco havia de alternativa para o percussionista que quisesse tocar e estudar música popular brasileira que não apontasse para o universo de experiências e incertezas que caracterizavam, e ainda caracterizam, o ensino informal de sua matéria, ou o processo de formação básico do referido grupo social.

Aos dezoito anos, com a chegada do período em que se cobram dos indivíduos vindos da classe média as definições profissionais e pessoais que supostamente nortearão os rumos de suas vidas, Oscar Bolão, no ano de 1972, cedeu às pressões sociais mais do que esperadas nessa fase. As expectativas geradas em torno do seu futuro fizeram-no desistir da trajetória heróica e romântica do agora ex-futuro percussionista, transformando-o num bancário do Bradesco na agência da Rua Primeiro de Março (Centro do Rio). Mas, felizmente, por pouco tempo! (BOLÃO, 2003, p.148).

Depois de desistir do emprego no sistema financeiro, da faculdade de Comunicação e de Direito, ao mesmo tempo em que trilhava seus caminhos musicais, tocando em diversos grupos, com diversas formações, tornava-se crescente a necessidade de estudar formalmente percussão, devido às demandas técnicas, de vocabulário e de leitura musical requeridas pelas diversas circunstâncias que envolvem a atuação do músico em processo de profissionalização. Essa necessidade foi alimentada pela convivência com vários colegas, músicos com quem tocava, que estudavam formalmente seus instrumentos, alguns até se encaminhando para a vida acadêmica.

A curiosidade e o interesse crescentes por um estudo que o aprimorasse musicalmente, e que o capacitasse a galgar outras possibilidades de atuação profissional, aliados à interpelação de seu pai, no sentido de que fizesse direito [grifos nossos] aquilo que escolhesse pra fazer profissionalmente (BOLÃO, 2003, p.150), fizeram com que Bolão decidisse estudar técnica com um colega e aluno do professor Luiz D’Anunciação – Rodolfo Cardoso.

Com Rodolfo, Bolão estudou, por volta de seis a oito meses, questões técnicas pertinentes ao adequado uso das baquetas, de maneira a dominar os principais rudimentos, ou tipos de toques, utilizados pelo percussionista na Caixa-clara, a saber: toque Simples, toque Duplo e toque Múltiplo. Após esse período, Rodolfo avaliou que seria uma excelente oportunidade para o aprimoramento técnico e musical de Bolão que ele participasse dos cursos intensivos oferecidos pelo seu próprio professor, Luiz D’Anunciação, conhecido como Pinduca, que por aquela época estaria indo para Londrina, onde ministraria um breve curso de percussão (OLIVEIRA, 2006).
Bolão foi, então, ao encontro de Luiz D’Anunciação, com quem aprendeu uma imensa variedade de conhecimentos técnicos, e a ter disciplina no estudo, conforme suas próprias palavras (BOLÃO, 2006). Com esse professor, Bolão aprimorou consideravelmente sua capacidade de leitura musical, prática fundamental para a inserção do percussionista no mercado, nas várias atividades de performance ao vivo e em estúdios de gravação. Esse encontro com Luiz D’Anunciação, para efeito de registro histórico, aconteceu antes do convívio de Bolão com Luciano Perrone, outro grande mestre da percussão na música brasileira, com quem aprendeu muito sobre como tocar samba na bateria, de maneira a aproveitar todas as suas peças – tambores, pratos, aros – com um sentido de remissão aos instrumentos característicos do gênero, como tamborim, cuíca, surdo, pandeiro, entre outros.
Com ambos os mestres, Bolão aprendeu que o percussionista deve ter, ou conquistar, o devido respeito como músico profissional, principalmente diante de seus colegas de profissão. Aprendeu também que este respeito se conquista com o estudo aprofundado de sua matéria, com a aquisição de um conjunto de conhecimentos práticos e teóricos que capacite os percussionistas a responder por tudo que deles pudesse ser requisitado musicalmente, inclusive uma prática de leitura fluente. Isso tanto no âmbito popular quanto no erudito (BOLÃO, 2006).
Com Luiz D’Anunciação, Bolão também passou a se interessar e a estudar com afinco a música de Concerto, preparando-se tecnicamente para ingressar na Orquestra Sinfônica Brasileira. Chegou a instituir, devido às orientações de seu professor, uma rotina diária de estudos técnicos que chegavam a dez horas. No entanto, desistiu desse projeto nos últimos momentos e continuou em sua pesquisa dos ritmos brasileiros e dos segredos da nossa percussão.

Por meio dos ensinamentos do mestre Luiz – que leciona até hoje com uma perspectiva de “percussão sem fronteiras entre o popular e o erudito”, como diz o subtítulo de sua série de manuais: Melódica Percussiva – Oscar Bolão passou a atuar profissionalmente com uma consciência profissional do papel e do respeito que o percussionista deve ter e assumir diante de seus pares nas diversas áreas de trabalho do meio musical, independente do fato de exercer ou não a função de professor.
Também passou a distinguir a diferença entre “bater” e “tocar” instrumentos de percussão. Segundo o próprio Luiz D’Anunciação:
Dia a dia credita-se maior responsabilidade ao percussionista, tornando-o cada vez mais compromissado com uma formação de alto nível. Fazer música em percussão é tarefa difícil enquanto não se alcança o estágio que permite distinguir entre bater e tocar (D’ANUNCIAÇÃO, 2003, introdução, p.03).

Sem desprezar o valor artístico de lendários bateristas de Jazz, como Buddy Rich e Gene Krupa, por exemplo, que protagonizaram solos memoráveis, nos quais o virtuosismo de milhares de notas em curtos espaços de tempo fez platéias do mundo inteiro delirarem, essa concepção desenvolvida por Bolão no contato com seus principais professores – Rodolfo Cardoso, Luiz D’Anunciação e Luciano Perrone – caminha em outra direção, sem abdicar dos benefícios técnicos e expressivos daquela.
Esse conjunto de conceitos que norteiam a carreira de Oscar Bolão ajudou-o a desenvolver uma expressividade genuinamente brasileira em diversos instrumentos de percussão, especialmente na bateria, em que as levadas são concebidas aproveitando-se as diferentes vozes das suas peças, com a aplicação de idéias musicais e frases rítmicas típicas das formações instrumentais originais de cada gênero. Essas levadas são construídas como uma história, de modo a acompanhar as nuanças da melodia, em que as lacunas deixadas por ela (melodia) e os eventuais espaços para improviso são preenchidos por frases elaboradas com um sentido melódico, além de coerentes com a linguagem rítmica utilizada no discurso musical que se desenvolve ao longo de toda a peça.

Partimos da seguinte premissa: a criação de um bacharelado em percussão que em sua grade curricular contemple uma formação integral ao percussionista no Brasil, que ofereça vias de especialização tanto a instrumentistas que atuem na música erudita quanto na popular, democratizaria sensivelmente o acesso dos mesmos às variadas formas de inserção no mercado de trabalho. Conforme afirmamos em monografia de conclusão de curso de Licenciatura em Música, sobre a implantação de um bacharelado com as características anteriormente citadas:
(...) seria extremamente salutar e necessária à formação dos vários perfis profissionais que lá se desenvolvem, e à consecução de um projeto pedagógico mais aberto e permeável, que conjugue diferentes políticas de formação, que atenda às diferentes realidades de atuação profissional que encontramos fora da academia. (TEIXEIRA, 2006, pp.36 e 37)

Por meio das considerações anteriores, procuramos apontar que as possibilidades de formação e profissionalização dos percussionistas permanecem relativamente engessadas pelas vias elitistas em que esses processos se dão ainda hoje. Quais são as chances de um percussionista oriundo da periferia das grandes cidades, ou mesmo de comunidades carentes dos grandes centros de competir por vagas como profissionais em orquestras com apoio ou subvenção estatal, por exemplo, com os filhos das classes mais favorecidas economicamente, cujos processos de formação constroem-se em bases sólidas de um ensino gradual e sistematizado através de cursos Tutoriais bem pagos?

Por fim, consideramos que a participação de músicos como Oscar Bolão em instituições de ensino, inclusive de nível superior, a despeito de seus processos de formação não apresentarem uma graduação em música, seria fundamental para a formação dos alunos nas diversas disciplinas e atividades acadêmicas que apresentam interfaces com as do mundo profissional dos percussionistas. Afinal, num curso superior de música, onde ocorre a formação de profissionais que trabalham, independentemente das diferentes habilitações e perfis de atuação, com o fazer musical forjado na interação de pessoas que vivem em realidades socioculturais diversas, seria interessante implementar, na prática, currículos cujos conhecimentos contemplados fossem além do recorte das disciplinas, transbordassem as terminalidades dos cursos, borrassem as fronteiras instituídas na cultura organizacional. Que esse conjunto de saberes seja, enfim, “tecido transversalmente, no cotidiano das práticas sociais.” (SANTOS, 2005, p. 50)


Referências Bibliográficas

BOLÃO, Oscar. Batuque é um privilégio. Rio de Janeiro : Ed. Lumiar, 2003.

D’ANUNCIAÇÃO, Luiz. Manual de Percussão – Estudo de técnicas para a Caixa-clara, cadernos 1,2,3 e 4. Rio de Janeiro: 2ª ed., 2003.

TRAVASSOS, Elizabeth. Apontamentos sobre estudantes de música e suas experiências formadoras. Revista da ABEM, número 12, pp.11-19, março, 2005.

SANTOS, Regina Márcia S. A natureza da aprendizagem musical e suas implicações curriculares – análise comparativa de quatro métodos. Fundamentos da Educação Musical 2. Associação Brasileira de Educação Musical, Porto Alegre, pp. 7-112., junho, 1994.
__________. Música, a realidade nas escolas e políticas de formação. Revista da ABEM, número 12, pp.49-56, março, 2005.

TEIXEIRA, Marcello. Oscar Bolão – Ensino de percussão e bateria brasileira e seus pontos de contato com a vida acadêmica. Monografia de conclusão de curso de Licenciatura plena em Educação Artística com Habilitação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, Rio de Janeiro, 2006.

WAGNER, Wolfgang. Sócio-Gênese e características das Representações Sociais. In: Social Science Information, 33, 1994.


Mestrando em Música e Educação na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.

Publicação semestral da Associação Brasileira de Ensino Musical.

O conceito de grupo social, ou Reflexivo, como apresentado por Wagner (1994) perpassa as discussões e trabalhos científicos que se utilizam da teoria das Representações Sociais como referencial teórico na abordagem dos seus objetos de estudo. Consiste na identificação e delimitação de um determinado grupo de pessoas, ou comunidade, que compartilhe de um conjunto de conhecimentos, crenças, imagens, metáforas e símbolos, através dos quais seus membros se reconheçam mutuamente. A representação social como processo só ocorreria em grupos e sociedades por meio de discursos públicos, que incluiria a comunicação tanto de pontos de vista compartilhados quanto divergentes sobre muitos assuntos. (v. Wagner, Wolfang. Sócio-gênese e características das Representações Sociais)

O toque “solto” nos tambores corresponde, na verdade, à forma padrão de se percutir o instrumento. Trata-se, a rigor, da produção da nota fundamental do tambor, de modo que a sua membrana soe livremente, sem qualquer interferência em seu processo natural de vibração. Dessa forma, obtém-se um som cheio, encorpado. Em oposição a essa idéia, temos o toque “preso”, cujo som é obtido por uma pressão da baqueta na membrana, de maneira a colar-se em sua superfície, reduzindo ao máximo a sua vibração e a ocorrência de rebote e toques adicionais indesejáveis. Como resultado, obtém-se um som de curta duração, mais opaco, com uma ressonância bem menor do que a alternativa anterior. 

Observação do professor de percussão do Instituto Villa-Lobos da UNIRIO, Rodolfo Cardoso de Oliveira, em comentário à monografia realizada pelo autor, quando da conclusão de seu curso de Licenciatura em Música, em Junho de 2006.

O toque Simples consiste na produção de um som para cada movimento completo do pulso, de modo que a baqueta retorna à sua posição original (“posição de toque”) imediatamente após percutir a membrana (“ponto de toque”). Dentro da categorização anterior, temos ainda o toque de Dedos, realizado não pela movimentação do pulso, mas sim do bloco de dedos que envolvem as baquetas, enquanto essas mantêm um ponto de apoio fixo nas mãos do executante. O toque Duplo corresponde à produção de dois sons, de mesma intensidade, para cada movimento completo do pulso, de modo a aproveitar o quique, ou rebote natural da baqueta na membrana. Já o toque Múltiplo consiste na produção de três ou mais sons para cada movimento completo de pulso (OLIVEIRA, em comentário à referida monografia, 2006).

Em entrevista concedida ao autor em 2006. Ver Oscar BolãoEnsino de percussão e bateria brasileira e seus pontos de contato com a vida acadêmica. Monografia de conclusão de curso de Licenciatura plena em Educação Artística com Habilitação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO.

“Na terminologia dos músicos populares, a levada é uma célula rítmica, ou rítmico-harmônica, que caracteriza determinados acompanhamentos da melodia principal, constituindo fator básico de identificação dos gêneros musicais” (TRAVASSOS, 2005, p. 18).

Exceção feita ao curso de Percussão e Bateria brasileira, ministrado por Oscar Bolão na Escola Portátil de Música, projeto que consiste atualmente em curso de extensão da UNIRIO, aos sábados, cujas atividades pedagógicas compreendem o estudo, a prática e divulgação da linguagem do choro.

Para esclarecimentos quanto ao referido sistema de escrita para percussão desenvolvido pelo Prof. Luiz D’Anunciação, ver Teixeira, 2006.

 

percussão I fotos I links I vídeos I contato